Há algum tempo, o Ilê Aiyê tem suscitado algumas indagações acerca do seu papel na preservação da cultura, denuncia à violência racial e valorização política da mulher negra. Parece mais querer replicar a mesma lógica das famílias, aonde o Homem grita, xinga, ofende, desrespeita as mulheres, e ainda, aparece quem o defenda: "- Sim, mas é o seu Pai!" " - E dai? É seu irmão mais velho!"
Sou contra a estes vínculos incondicionais, de parentescos cruéis, com tios, avôs ou irmãos tão distantes da nossa condição de gênero. Neste carnaval, em companhia de uma amiga, presenciei vários rituais de sexismo, androcêntrismo e anulação social.
Das várias cenas bizarras, pasme, um diretor chegou a dizer a uma mulher exaltada pela demora na entrega da fantasia: “ - Minha senhora, você está acostumada a sair com músicos para ganhar cortesia. Só vamos dar fantasia pra quem está com o carnê quitado."
Presenciei outro diálogo, de natureza similar: “ - Sim, você não vai entrar porque seu nome não está na lista”. A associada retrucou: " - Mas são 21 anos de Ilê! Será que Ogum me abandonou?" Lágrimas e mais lágrimas debaixo de um sol generoso.
Ainda, nessa sequência, um senhor chegou a citar que não aguentaria aquela humilhação diante de seguranças e portões fechados. Em resposta, ouviu: “ - Prove que o senhor é o pai da rainha!" Passados instantes, a mesma chegou para comprovar a veracidade daquela declaração paterna.
Antes, às 18 horas do sábado, esta frase me confundiu; “ - Tem que despachar essas padilhas que estão aqui”... E tome água-de-sei-lá-o-quê nas moças... Mais tarde soltaram as pombas brancas.
Eu, Carla, sai no Ilê pela primeira vez em 1998, na condição de cordeira, em 1999 de segurança, e foi uma das piores experiências da minha vida. Cliff, o chefe da segurança, continua lá distribuindo maus tratos. Naquela época ele me ordenou: “ - Bota a camisa pra fora, porque você está aqui pra trabalhar e não para dar em cima dos negões do Ilê!”
Relato isso, por acreditar que não é de agora que nem todas as mulheres são tratadas como candaces. Aliás, ainda há muitos irmãos e irmãs que trabalharam comigo e continuam nesta mesma função. Não foram motivados a estudar, a crescer, a se assemelhar as heroínas e heróis africanos cantados nas composições do bloco. Em tempo, muitos somente SABEM que ser negro é lindo demais.
Por fim, só registro aqui este desabafo, em resposta a provocação de minha amiga Cynara, sobre a ausência de coragem, de nós mulheres, que desfilamos no Ilê, para falar deste assunto tão ácido e oportuno. Continuarei amando o Ilê, me emocionarei ao vê-lo passar. Porém, assim como critico meu pai e meus irmãos por amor, não abrirei mão de registrar o machismo engendrado naquela estrutura, cuja missão politica é em prol do Povo negro e, sobretudo, das Mulheres Negras. Logo, precisamos corrigir as falhas.
Vi muitas Dandaras, que são tratadas diariamente, de qualquer jeito, serem humilhadas e silenciadas em nome de uma fantasia - o passaporte da autoestima simbólica. Contudo, quem se importa com essas mulheres? Elas só têm status com os músicos, percussionistas ou com aqueles que jogaram a toalha em nome dos direitos trabalhistas.
Enfim, não preciso que ninguém concorde com estas linhas, afinal, não é sempre que sentimos a dor da outra(o). É hora de cantarmos a nossa canção para quem desafina em termos de COMUM UNIDADE.
Ps.:- Espero que este e-mail não chegue em mãos não-negras, pois este assunto interessa estritamente a Família Negra. O Ilê Aiyê continua sendo o lugar onde ‘encontramos os amigos e desarmamos os inimigos’.
Carla Akotirene
Militante do Mov. Negro, Mestranda do Programa de Pós Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo - Universidade Federal da Bahia.
Coordenadora Nacional do Fórum de Juventude Negra Articulação Nacional de Negras Jovens Feministas
Carla li teu texto e, como ele veio de minha pesquisa no Google "coisa de Negão", não entendi tuas afirmações. Afinal, o que é coisa de negão??? Então meus chefes estão certos quando afirmam que se algo dá errado ou é mal feito é coisa de negão? Preconceitos e maltratos também? Sinceramente, esperava encontrar outras coisas.
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