terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

As cordeiras de Salvador



Escrito por Gicélia Preta (Fórum Nacional de Mulheres Negras)

Nesse carnaval não viajei, preferi ficar em casa pois precisava continuar a escrita da minha "abençoada" monografia da especialização(tô sem inspiração nenhuma...Rsrsr).

Como não aguentava mais ficar em casa, fui passar o dia de domingo na casa de uma amiga e irmã da igreja, que mora no circuito Barra-Ondina. Também queria aproveitar para conhecer o local de trabalho de uma outra irmã em Cristo que me convidou para ver onde ela e mais algumas pessoas atendiam turistas oferecendo o serviço de estética: trançando cabelos, colocando mega-hair e maquiagem.

Foi nesse momento de visita que, antes de chegar ao local(Porto da Barra), vi alguns trios elétricos esperando seu momento de desfilar, e em seu entorno, um número expressivo de mulheres que certamente iriam trabalhar como cordeiras. Comecei a ficar intrigada e comentava o tempo todo com minha amiga que tinha mais mulher que homens para trabalhar segurando corda.

Então não me contive e coloquei em ação minha veia de pesquisadora. Sem nada na mão para fazer anotações, fui em busca de algumas informações orais. Me dirigi em direção a duas mulheres negras que disseram ser coordenadoras do cordeiros; me apresentei como professora de história, pesquisadora e integrante do Fórum Nacional de Mulheres Negras.

Fiz as seguintes perguntas:

  1. Quais critérios eram utilizados para seleção de cordeiros: idade, escolaridade, etc? Resp: idade mínima deve ser 18 anos, e não pode exceder os 50 anos.
  2. A escolaridade é importante? Resp: Não.
  3. Se realmente tinha mais mulher que homens segurando corda? Resp. Sim.

Claro que percebi que haviam várias mulheres com idade avançada, assim como adolescentes(inclusive vimos uma grávida). Então me dirigi a duas cordeiras que aparentavam não ser tão jovens , me apresentei e perguntei se elas tinham mais de 50 anos, as mesmas responderam que sim.

Por que esse meu interesse e inquietação frente a uma situação que já existe há anos? Eu respondo: cada dia que passa me sinto mais mulher e negra. Naquele momento eu também me senti uma cordeira

As mulheres que vi no trajeto Farol/Porto da Barra, eram negras. Eram adolescentes, jovens, mulheres maduras, avós. Todas negras.

Enquanto professora, percebi que a maioria tinha baixa escolaridade; que certamente no seu dia a dia eram trabalhadora autônomas: diaristas, vendedoras ambulantes, lavadeiras; algumas desempregadas, mantenedoras do lar. Eram todas negras.

Algumas mulheres já demonstravam traços de cansaço e sofrimento que a vida lhe proporcionou durante os anos. Eram todas negras.

Voltei para casa um pouco deprimida, sem saber o que fazer a não ser o desejo de escrever alguma coisa sobre o que vi.

Mas, como creio que não estou sozinha nessa reflexão, eis que no último dia de carnaval, Deus me mostra que pertinho de mim, eu podia ter uma entrevista exclusiva de uma cordeira.

A cordeira(não vou citar nome por razões legais) que conheço desde a adolescência, hoje está com 27 anos, é separada, tem o ensino fundamental completo, trê filhos e um pequeno negócio perto de Salvador.

Perguntei por que ela estava aqui na cidade, e a mesma me respondeu que veio trabalhar como cordeira em dois blocos. Disse que nesse período de carnaval o "comércio fica fraco" na sua cidade, e que então ela veio trabalhar para ganhar dinheiro e comprar mais mercadoria para seu comércio.

Ela me disse que trabalhou em dois blocos durante esses seis(06) dias, cuja a diária de cada um é de R$ 40,00(já incluso o transporte). Então fiz as contas: ela vai ganhar quase uns R$ 500,00.

Só pra lembrar, a Cordeira só trouxe um filho com ela. Os outros dois, menores, deixou na casa de parentes na cidade onde mora. E como na foto da reportagem abaixo, também não demonstrou tristeza em exercer essa profissão temporária.

Mas nós mulheres negras ou não, homens negros ou não, que temos acesso a um pouco mais de informação, principalmente sobre a história do negro diaspórico no Brasil, precisamos fazer essa reflexão.

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