segunda-feira, 11 de abril de 2011

As classes perigosas




escrito por Sergio São Bernardo

A crescente violência social brasileira encontra-se em estudo e debate. Mesmo com as mudanças no regime e na organização do Estado persistem sintomas de uma crescente violência que não se explica apenas por razões conjunturais. O que faz, para um governo de esquerda, a violência social ser considerada um tabu e um desafio dilacerante.


Os ingleses no cenário da revolução industrial cunharam a existência de uma nova casta que surgiria nos retalhos da sociedade industrial: “as classes perigosas”. Fenômeno típico das sociedades modernas que produzem multidões de excluídos, de onde segmentos abastados, fiadores de outro modelo de crime se abastecem para compor suas legiões de criminosos. Acontece que esta nova classe social é composta em sua maioria de negros, brancos, jovens, pobres das grandes periferias das cidades. No Brasil, esta expressão ficou conhecida através do belíssimo estudo do ensaísta alagoano Alberto Passos Guimarães.


Não sejamos românticos. Crimes e criminosos existem e existirão em qualquer modelo societário e em qualquer modelo de organização do mercado. O que falo é de uma tendência falaciosa que atribui fundamentos sociológicos para uma atitude ideológica. O exército industrial de reserva e o status quo não são apenas da ordem do capitalismo. A doutrina socialista republicana da esquerda socialista também produz suas “classes perigosas”.


Nossos mais dignos representantes - aqueles que colocamos no poder - não sabem como lidar com isso – ora se encaixam como legítimos defensores da universal dignidade humana, ora se esquivam e deixam penetrar, aos seus olhos de inércia, métodos e mecanismos típicos da defesa social e da tolerância zero contra estas mesmas “classes”.


Nossos heróis não morreram de overdoses. Estão vivos e atônitos. Nossos heróis já compuseram as “classes perigosas”. Disseram-nos que construiríamos uma nova sociedade. Nossos heróis estão cansados. Agora são defensores do Estado de Direito. Eles estão satisfeitos com o que nos tornamos. E nós, que o acompanhávamos, achando que criaríamos um novo mundo, não conseguimos atravessar a porta. Todavia, temos uma história que nos explica: colonialismo, escravidão, patrimonialismo, patriarcalismo, latifúndio e racismo. Os miseráveis e as multidões estão caminhando pelas ruas abertas por nossos antecessores e buscando a utopia.


Existe um fosso entre algumas espécies de esquerda progressista e de uma plêiade de militantes dos direitos humanos que parece não enxergar o mais simplório dilema: existem segmentos que não se sentem representados por estes novos administradores de formação neorepublicana. Estão falando outra linguagem e montando novas eticidades.


O rapaz que matou as doze crianças no Rio apenas está nos dizendo que somos iguais ao resto do mundo. Aqui também se mata por motivos “torpes e fúteis”. Aqui também morrem crianças diariamente por causas violentas. Muitas delas compõem as “classes perigosas” e continuarão morrendo se continuarmos com o mesmo modelo de sociedade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário