quinta-feira, 17 de novembro de 2011

A Falácia Negra na Terra dos "Encantos e Axé"



Pois bem...

Confesso que lutei para não escrever este texto... Lutei como Zumbi pela sua liberdade... Lutei como as irmãs Yabás que nos criam quando somos iniciadas... Lutei como uma jovem negra numa articulação familiar “branca” para ter êxito na vida profissional desde o pré-escolar... Eu LUTEI.

Como militar indo de encontro aos nossos princípios morais? Como empoderar mulheres nas comunidades sendo que nossas companheiras de articulação, também mulheres, sofrem os efeitos nocivos diários da “ciranda machista” de manipulação do poder?

O que é ser uma mulher machista? O que é ser uma mulher submissa?

Militar hoje não é mais “militar”... Negras de alma branca “emporcalham” a caminhada das novas militantes e cada vez mais vemos os seminários/encontros/congressos com os mesmos rostos. Atualmente então nem se fala... Rostos negros com “corações abafados” e cercados de “ambições brancas” para que a sua situação pessoal financeira seja resolvida de forma imediata nas próximas eleições estaduais/municipais.

O que é empoderar?

Lembrei-me de um texto da Profª Drª Helena Theodoro com o título “ A Mulher Negra – Luta e Fé – Século XVI a XIX” no trecho que fala da “Mulher Escrava” .

Helena afirma que:

[...] O mito da mulher negra super sexuada, construído ao longo da história, tem suas bases calcadas na visão que se tinha a mulher escrava. Entretanto, tal visão foi concebida dentro de uma sociedade patriarcal onde sempre se determinou o poder do homem sobre a mulher , independente de ser escrava ou ser senhora. [...]

Cientes disso, vivencio em pleno século XXI, amigas militantes sendo espancadas por seus companheiros, seduzidas por outros homens “inacreditavelmente” negros, suplantando nosso ideal de respeito, sucesso e solidariedade com idéias baratas e de baixa estima para serem escaladas, estas mesmas mulheres negras acadêmicas e esclarecidas, aos “cargos de respeito” dentro dos Coletivos/Grupos/Redes.

Pergunto novamente... O que é empoderar?

Empoderar é fotografar nossos agressores silenciosos e cautelosos em grandes eventos do Movimento Negro durante os “festejos falsos” com cunho político durante 30 dias pelo Brasil? Empoderar é passar anos em cadeiras de instituições séries com milhares de teses e viagens pagas por institutos sérios e o nosso testemunho pessoal ser ilusório?

Há um mês, conversando com uma militante séria, fui questionada sobre de onde eu surgi na militância negra de Salvador. Qual a minha origem? Eu, educada e tranqüila como eu sou, respondi:


“-Quando eu era aluna do Curso Magistério, eu via nas escolas que eu era estagiária que ninguém ia aprender nada, pois a alegria de ir a escola era justamente à hora do recreio - a alimentação. Meu aluno tinha 13 anos e já tinha uma arma na mochila quando nem se falava em tantos assassinatos e o tão bulling. Conheci em minhas andanças uma instituição chamada ACBVIGOR num local chamado Golméia no bairro do São Caetano e com 20 anos de idade eu descobri que ir e voltar de um bairro carente com seu transporte próprio, acompanhar mulheres aos Postos de Saúde da Liberdade mesmo sem conhecer aquela pessoa, separar feijão, arroz e pão francês em pequenos sacos plásticos para amenizar a fome de gente que eu nem conheço, ensinar uma mulher a assinar seu nome no seu cheque de conta conjunta e comprar seu botijão de gás sem se submeter ao seu feitor/marido...isso pra mim é MILITAR”.

Minha amiga militante me abraçou e disse:

- “ Cuidado companheira. Os ideais de militância hoje não são tão puros assim. Você é inocente demais para estar neste meio.”

Como eu recebi esta afirmativa? Completei 34 anos este mês e não tem ninguém pra me parar na rua e me humilhar com palavras torpes pelo trabalho contínuo por todo o Brasil. Pelo contrário; atualmente vivo e respiro a minha pesquisa de Gênero Raça e Etnia para que os meus pares saibam qual a REALIDADE ACORRENTADA FANTASIADA do que é ser uma mulher NEGRA no Brasil.

Completamos 17 dias de Novembro Negro no Brasil e o que verificamos?

Agências cerimôniais governamentais selecionando nossas mulheres negras de periferia como nossos antigos feitores olhando os nossos dentes , nossas unhas e nossos cabelos...

Ou até, em atos extremos como em Alagoas, vivenciamos um receptivo/cerimonial BRANCO com olhares surpresos como se nossa comitiva, a maior até o momento, fosse de babuínos exóticos e prontos para seção de fotos ao lado dos que estavam lá. Equipes terceirizadas de som com todo o “topete municipal” fazendo pouco dos cerca de 30 músicos presentes para se apresentar no encerramento de uma cerimônia póstuma de um negro – Abdias Nascimento - , a presença de um Buffet totalmente “fora do contexto étnico” que nos obrigou a nos alimentar com farofa de azeite de dendê ,maionese, macarrão , uma feijoada “atípica” e , por fim , a quizila de nossos irmãos de santo servido como alimento – o carneiro.

O que fazer? O que pensar?

Como sabiamente afirmou Lélia Gonzalez em 1988 no Canadá, durante a leitura do Livro “Alzira Rufino, Eu, Mulher Negra – Resisto” na III Feira Internacional do Livro Feminista:

“[...] Quantos espelhos quebrados/Botas em pés errados/Como um navio negreiro. A leitura dos poemas de Alzira remeteu-me também às nossas lutas dos tempos passados da escravidão, passados e atuais; reafirmando-me que somos Aqualtune, Dandára, Luiza Mahim, Tia Ciata, Mãe Aninha, Mãe Senhora, Dona Zica da Mangueira, Dona Ivone Lara,Maria Beatriz Nascimento e tantas outras mais atuando nas mais diversas frentes como legítimas representantes do nosso povo. Mais os poemas de Alzira ,sobretudo, ressaltaram na minha leitura,que nós somos anônimas mulheres negras do campo e da cidade; as sem-terra, as bóias-frias,as serventes, as empregadas domésticas,as varredoras de rua, que de uma forma ou de outra, estão presentes nas lutas por se organizarem nos sindicatos,nas associações de classe, nos movimentos de favela e bairros periféricos[...] ”

Em meu coração afrodescente de mulher negra esse trecho é a gasolina diária para a minha resistência diária nos meus freelances textuais/áudio e vídeo. Enquanto houver o sistema “branco” de contratação para nossos eventos e nossa mão de obra “esforçadamente” qualificada de web design, gráficas, buffet,receptivos ,transporte, sonorização não tiver oportunidade, passaremos pelos eventos como meras figuras exóticas/folclóricas aplaudindo e fotografando nossos opressores.

escrito por Patrícia Bernardes ( jornalista/pesquisadora)

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