sexta-feira, 16 de março de 2012

Reflexões no "Março Mulher" do Universo Axé



Escrito por Patrícia Bernardes Sousa

(jornalista , militante, oriunda da religião de matriz africana e gestora social )

Numa sexta-feira do “Março Mulher 2012”, às 13:30hs, dentro de um início de tarde cheio de “pequenos princípios de apocalipse” na região do Iguatemi e no Subúrbio Ferroviário por conta das chuvas...Eis que aparece Alex Lopes , apresentador do Programa Universo Axé. Não que isso seja prioridade pra alguém com índice de audiência diário desse rapaz. Não que nós não saibamos que o público alvo do Universo Axé é democrático e suas atrações geram “controvérsias” ao gosto musical popular baiano. Tentei ser imparcial pelo menos hoje, nesta exibição do programa. Tudo ia bem, como todos os dias de apresentação do programa, se não fosse um detalhe: a trilha sonora e a temática escolhida para esta sexta-feira.

O quadro “Talento Popular” trouxe para frente das câmeras uma jovem. Jovem, filha de pastor evangélico, pretensa cantora gospel e com um testemunho, no mínimo, intrigante. Tudo bem que nós telespectadores já sabíamos que a trilha sonora do programa já colaborava para “o drama” no êxito de audiência da emissora.As vozes do Padre Marcelo Rossi, Belo e a cantora Aline Barros davam o tom do “apelo emocional” no vídeo que antecedeu a apresentação da jovem garota.

Quero levantar aqui em meu texto de reflexão uma situação – o abandono.

Como tudo na TV brasileira hoje gera comoção pública, ouvir o relato da mãe dessa jovem foi o que de fato me chamou à atenção para as seguintes perguntas:

1. O que é “aceitar Jesus” no Brasil do Séc. XXI?

2. O que é ser “Pastor de Ovelhas” no Brasil do Séc. XXI?

3. O que é ser “Novo Criatura” no Brasil do Séc. XXI?

4. Que “Jesus” é esse que milhões de jovens e mulheres seguem pelo Brasil do Séc. XXI?

Diante das câmeras na tarde desta sexta- feira, quantas mulheres não se identificaram com a mãe desta jovem “Talento Popular”.Quantas mulheres não choraram quando assistiram essa mãe dizer que o ex- marido nunca deu um pão, uma peça de roupa, nunca pagou sequer a escola da sua filha e, atualmente, este mesmo marido casou-se novamente, é pastor evangélico de uma Igreja Pentecostal reconhecida na Bahia e se “tornou nova criatura” diante de Deus.

“- Para mim e para meus filhos ele nunca deu R$1 pra nada. Para a atual esposa dele e para os filhos dela ( que ele não é o pai biológico) ele nunca deixa faltar nada. Meu ex-marido ignora a mim e a minha filha como se nós fossemos fruto de um passado que ele deseja esquecer” , palavras da mãe da jovem “Talento Popular”.

Quantos homens se comportam atualmente assim no país? Quantas igrejas abrigam pessoas afirmando um evangelho de prosperidade material e estimulando a “retirada do passado” dessas pessoas de forma imprópria e incoerente a realidade do que o próprio Deus prega em seu livro milenar?!

Frequentei durante cinco anos uma congregação protestante tradicional e, infelizmente, tenho conhecimento de causa a cerca desta situação. Promovi pesquisas de campo em presídios femininos e na pastoral carcerária durante 1 ano 6 meses para meu trabalho de conclusão de curso. Frequentei grupos evangélicos denominados “familiares” para acompanhamento das “ovelhas” de forma individual e particular. Visitei obras assistenciais presididas por denominações protestantes e a conclusão que tirei disso tudo foi uma só – aprendizado.

Homofobia, racismo, sexismo, machismo, autoritarismo, intolerância e todas as outras práticas pertinentes ao comportamento dos gestores das igrejas que nos remetem a sensação única e exclusiva de REJEIÇÃO.

Em 2012 , mesmo com seus escândalos “sufocados” por interesses públicos políticos partidários, visualizamos a força que milhões de evangélicos poderiam ter no poder de voto e não tem. “Ovelhas” facilmente envolvidas por discursos e cenários “faraônicos” que humilham e depredam a imagem da mulher nas comunidades carentes seja ela de raça, classe social ou partido político seja filiada.

De Marina Silva pra cá... O que mudou? Nada. Somos diariamente confrontadas em nosso íntimo por gestores evangélicos que pregam a cor da pele e a condição social como forma de êxito para se “ estar com Deus” diariamente.

Em que Bíblia está transcrita palavras de Deus que afirmam que negros tem que se casar com negros nas igrejas tradicionais protestantes? Em que Bíblia está transcrita palavras de Deus que só abençoa a sua vida se você “esquecer seus deveres jurídicos de paternidade” e se tornar nova criatura?

Quem são este (a)s fraco (a)s e oprimido (a)s referido (a)s nos textos bíblicos?

No mesmo mês em que Dilma Rousseff é “obrigada a ceder” a cadeira do Ministério da Pesca a Marcelo Crivella , no mesmo mês em que centenas de mulheres são lembradas no mundo por conta da violência e opressão sofridas por seus maridos e no mesmo Março Mulher 2012 em que nós , mulheres militantes, nos perguntamos:

1.Submissão a Deus é opressão aos nossos maridos?

2. As nossas jovens hoje sabem identificar o que é verdadeiramente um “homem de Deus”?

"As mulheres sejam submissas ao seu próprio marido, como ao Senhor.... Como, porém, a Igreja está sujeita a Cristo, assim também as mulheres sejam em tudo submissas ao seu marido" (Efésios 5:22,24).

"Esposas, sede submissas ao próprio marido, como convém no Senhor" (Colossenses 3:18).

As mulheres mais velhas sejam orientadas para ensinar as mais novas a serem

"…sujeitas ao marido, para que a palavra de Deus não seja difamada" (Tito 2:3-5).

"Mulheres, sede vós, igualmente, submissas o vosso próprio marido..." (1 Pedro 3:1).

Voltando a programação do Universo Axé, infelizmente em Salvador as mazelas humanas e psicológicas são resolvidas por “meios assistencialistas” . Após o intervalo do programa, a vereadora “ reality show -figurativa” Léo Kret do Brasil fez uma doação de um Kit Passeio em um Shopping de Salvador (roupas-sapatos-salão de beleza), o grupo de pagode “Gang do Samba” ofereceu seu Studio para a jovem gravar seu CD Gospel e os diretores da “The Best Beach”- Ribeira fizeram a doação de milhares de unidades de CD virgem para a formatação do CD Gospel da jovem “Talento Popular” , Daiane Cerqueira.

Para encerrar com “chave de ouro”, em homenagem a mãe oprimida e humilhada, o apresentador Alex Lopes, com a voz “embargada” pela dita emoção, pediu a jovem que cantasse em homenagem ao seu exemplo de vitória – a sua mãe.

Sob som...

Segunda-feira o Universo Axé está de volta...

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