terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Sobre Salvador, o povo Bahiense e a LOUS



Marcos Rezende
é historiador e religioso de Matriz Africana


Tem duas frases que para mim resumem o atual momento de Salvador, uma é de Gregório de Matos “a mim me bastava que o prefeito desse um jeito na cidade da Bahia” e a outra é a que percorreu as ruas de Salvador em 1798 quando da Revolta dos Búzios e foi elaborada pelos seus sediciosos: "Animai-vos Povo baiense que está para chegar o tempo feliz da nossa Liberdade, o tempo em que todos seremos irmãos: o tempo em que todos seremos iguais."
Apesar de uma ter sido publicada no século XVII e a outra no século XVIII, épocas em que manifestações não se avolumavam através de notificações no Facebook, as duas têm reflexos na situação atual da cidade do Salvador e dialogam concretamente com o que vivemos hoje, afinal de contas se complementam frente ao grande desafio da Lei de Ordenamento de Uso do Solo (LOUS), da mobilidade urbana e a necessidade de pensar a cidade considerando a sua diversidade e a questão étnico racial.

Havia um tempo em que para sair nos blocos de carnaval tinha que preencher ficha, com foto e endereço, daí tinha uma análise para ver quem estava apto a ser de tal bloco. Ninguém assumia, mas naquela época era inimaginável que uma mulher negra com dreads nos cabelos e moradora de Mussurunga pudesse ter a sua ficha avalizada no Eva que fazia propaganda na televisão com o seguinte áudio: “Eva o metro quadrado mais bonito da avenida” enquanto as imagens em câmera lenta mostravam longas madeixas loiras mexendo de um lado para o outro. Era o tal do racismo velado brasileiro, hoje o cantor Saulo empresta sua voz a boneco negro em videoclipe e debate o encontro dos trios na Praça Castro Alves, um avanço conquistado com muita luta.

Mas Mussurunga continua lá e juntamente com Cajazeiras City, Bairro da Paz, Fazenda Coutos, Plataforma, Paripe, Escada, São Cristovão, IAPI, Avenida Peixe, Sussuarana, Pau da Lima, Vila Canária, Marechal Rondon, Alto do Coqueirinho, Pela Porco, Santo Inácio, Liberdade, Pirajá, Jardim Cajazeiras, Castelo Branco, Beiru, só para citar alguns, formam o cotidiano étnico racial desta cidade.

O geógrafo Milton Santos que tão bem descreveu as relações étnico raciais neste país trata esta questão da seguinte maneira:

“Se me perguntam se a classe média é formada por cidadãos. eu digo que não... Em todo caso no Brasil não é, porque não é preocupada com direitos, mas com privilégios. (sic) E o fato de que a classe média goze de privilégios e não de direitos, que impede aos outros brasileiros de ter direitos. É por isto que no Brasil quase não há cidadãos. Há os que não querem ser cidadãos que são as classes médias, e há os que não podem ser cidadãos que são todos os demais, a começar pelos negros que não são cidadãos. Digo-o por ciência própria. Não importa a festa que me façam aqui e ali, o cotidiano me indica que não sou cidadão neste país... (sic) cidadania mutilada também na localização dos homens, na sua moradia. Cidadania mutilada na sua circulação. Este famoso direito de ir e vir, que alguns nem imaginam existir, mas que na verdade é tolhido para uma parte significativa da população... (sic) o meu caso é o de todos os negros deste país, exceto quando apontado como exceção. E ser apontado como exceção além se ser constrangedor para aquele que o é, constitui algo de momentâneo, de impermanente, resultado de uma integração casual”.

A votação da Lei de Ordenamento e Uso do Solo (LOUS) mostra isto. A cidade continua a ser lugar de poucos não importando a época. As frases e pensamentos de séculos diversos refletem isto, os representantes eleitos com voto do povo atendem a interesses individuais e ao capital especulativo, sem se preocupar com a cidade e sua diversidade, como canta Edson Gomes “este sistema é um vampiro”.

O atual prefeito é a síntese disto, destoando de tudo que é coletivo e tratando a cidade como uma criança a construir castelos de areia nas praias sem barracas. No mesmo esteio, parcela significativa de vereadores mendiga ao Prefeito cargos para os seus apadrinhados e fazem negócios escusos com as grandes corporações.

Ora, ao destruir as reservas de Mata Atlântica, aumentar a zona de sombreamento das praias da cidade, ampliar o gabarito para a construção de hotéis na orla da cidade dificultando a ventilação e elevando o aquecimento de bairros onde vivem negros, instala-se o caos na cidade e escancara-se o racismo ambiental. No geral o conceito da LOUS é: mais para quem tem mais em detrimento a quem nunca teve direito algum. O sórdido pano de fundo é a construção de uma cidade melhor e mais moderna.

Os habitantes da cidade de Salvador a cada dia se manifestam mais contra tais descalabros e o conceito que percorre a internet não é diferente da crítica mordaz de Gregório de Matos alcunhado, Boca de Brasa, ou dos panfletos sediciosos da Conjuração dos Alfaiates que acabou com o esquartejamento dos quatro negros que hoje fazem parte do panteão de heróis nacional.

Mas uma coisa é fato, a justiça chega. Às vezes pode demorar 200 anos, como foi para reconhecer como heróis os líderes negros da Revolta dos Búzios João de Deus, Lucas Dantas, Luis Gonzaga e Manuel Faustino. Oxalá permita, a justiça também pode vir rapidamente em quatro anos para muitos vereadores ou em oito para o atual prefeito da Cidade de Salvador.

Apesar de uma ter sido publicada no século XVII e a outra no século XVIII, épocas em que manifestações não se avolumavam através de notificações no Facebook, as duas têm reflexos na situação atual da cidade do Salvador e dialogam concretamente com o que vivemos hoje, afinal de contas se complementam frente ao grande desafio da Lei de Ordenamento de Uso do Solo (LOUS), da mobilidade urbana e a necessidade de pensar a cidade considerando a sua diversidade e a questão étnico racial.

Havia um tempo em que para sair nos blocos de carnaval tinha que preencher ficha, com foto e endereço, daí tinha uma análise para ver quem estava apto a ser de tal bloco. Ninguém assumia, mas naquela época era inimaginável que uma mulher negra com dreads nos cabelos e moradora de Mussurunga pudesse ter a sua ficha avalizada no Eva que fazia propaganda na televisão com o seguinte áudio: “Eva o metro quadrado mais bonito da avenida” enquanto as imagens em câmera lenta mostravam longas madeixas loiras mexendo de um lado para o outro. Era o tal do racismo velado brasileiro, hoje o cantor Saulo empresta sua voz a boneco negro em videoclipe e debate o encontro dos trios na Praça Castro Alves, um avanço conquistado com muita luta.

Mas Mussurunga continua lá e juntamente com Cajazeiras City, Bairro da Paz, Fazenda Coutos, Plataforma, Paripe, Escada, São Cristovão, IAPI, Avenida Peixe, Sussuarana, Pau da Lima, Vila Canária, Marechal Rondon, Alto do Coqueirinho, Pela Porco, Santo Inácio, Liberdade, Pirajá, Jardim Cajazeiras, Castelo Branco, Beiru, só para citar alguns, formam o cotidiano étnico racial desta cidade.

O geógrafo Milton Santos que tão bem descreveu as relações étnico raciais neste país trata esta questão da seguinte maneira:

“Se me perguntam se a classe média é formada por cidadãos. eu digo que não... Em todo caso no Brasil não é, porque não é preocupada com direitos, mas com privilégios. (sic) E o fato de que a classe média goze de privilégios e não de direitos, que impede aos outros brasileiros de ter direitos. É por isto que no Brasil quase não há cidadãos. Há os que não querem ser cidadãos que são as classes médias, e há os que não podem ser cidadãos que são todos os demais, a começar pelos negros que não são cidadãos. Digo-o por ciência própria. Não importa a festa que me façam aqui e ali, o cotidiano me indica que não sou cidadão neste país... (sic) cidadania mutilada também na localização dos homens, na sua moradia. Cidadania mutilada na sua circulação. Este famoso direito de ir e vir, que alguns nem imaginam existir, mas que na verdade é tolhido para uma parte significativa da população... (sic) o meu caso é o de todos os negros deste país, exceto quando apontado como exceção. E ser apontado como exceção além se ser constrangedor para aquele que o é, constitui algo de momentâneo, de impermanente, resultado de uma integração casual”.

A votação da Lei de Ordenamento e Uso do Solo (LOUS) mostra isto. A cidade continua a ser lugar de poucos não importando a época. As frases e pensamentos de séculos diversos refletem isto, os representantes eleitos com voto do povo atendem a interesses individuais e ao capital especulativo, sem se preocupar com a cidade e sua diversidade, como canta Edson Gomes “este sistema é um vampiro”.

O atual prefeito é a síntese disto, destoando de tudo que é coletivo e tratando a cidade como uma criança a construir castelos de areia nas praias sem barracas. No mesmo esteio, parcela significativa de vereadores mendiga ao Prefeito cargos para os seus apadrinhados e fazem negócios escusos com as grandes corporações.

Ora, ao destruir as reservas de Mata Atlântica, aumentar a zona de sombreamento das praias da cidade, ampliar o gabarito para a construção de hotéis na orla da cidade dificultando a ventilação e elevando o aquecimento de bairros onde vivem negros, instala-se o caos na cidade e escancara-se o racismo ambiental. No geral o conceito da LOUS é: mais para quem tem mais em detrimento a quem nunca teve direito algum. O sórdido pano de fundo é a construção de uma cidade melhor e mais moderna.

Os habitantes da cidade de Salvador a cada dia se manifestam mais contra tais descalabros e o conceito que percorre a internet não é diferente da crítica mordaz de Gregório de Matos alcunhado, Boca de Brasa, ou dos panfletos sediciosos da Conjuração dos Alfaiates que acabou com o esquartejamento dos quatro negros que hoje fazem parte do panteão de heróis nacional.

Mas uma coisa é fato, a justiça chega. Às vezes pode demorar 200 anos, como foi para reconhecer como heróis os líderes negros da Revolta dos Búzios João de Deus, Lucas Dantas, Luis Gonzaga e Manuel Faustino. Oxalá permita, a justiça também pode vir rapidamente em quatro anos para muitos vereadores ou em oito para o atual prefeito da Cidade de Salvador.


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