sábado, 28 de agosto de 2010

Alaíde do Feijão: Mulher Ancestral


Alaíde do Feijão representa aquela mulher de tempos antigos, a tia da comunidade, dos bairros periféricos. Aquela tia que quando a nossa mãe saia para trabalhar ela lá estava a observar os filhos e perguntar o que ele estava fazendo na rua até tal hora da noite e dar bons conselhos. Sempre alerta, cuidou da juventude negra em épocas que o Estado Brasileiro não reconhecia o que era ser negro.

Esta querida mulher sempre sabia como ser dura e doce, enérgica e amável. Carregada de conhecimento tradicional, e forjada na Faculdade da Vida, do Gueto, do Mundo. Alaíde vendeu muito feijão para sobreviver e para garantir até hoje a sobrevivência de muitos. Mas não falo de um feijão qualquer, a delícia de saborear o Feijão de Alaíde, não é tão somente pelo sabor, mas pela dignidade, pela batalha, pelos temperos espirituais e sentimentais invisíveis, mas atávico à nossa tradição. Pelo bate papo gostoso e aprendizado passado a cada garfada. Na verdade o seu feijão não alimenta o nosso corpo, mas a nossa alma, e a cada dedo de prosa, temos a mais completa certeza de que apesar de tudo, vale a pena viver e pedir a benção a cada momento que Alaíde dá um conselho.

Alaíde é uma ilustre filha da Ilha de Itaparica e conhece o Movimento Negro Baiano mais do que qualquer tese de doutor da academia formal. Ela lê nas entrelinhas, e mais do que isto, posso afirmar, que todo militante negro baiano ao passar por momentos de dificuldade nas suas batalhas diárias já foi lá naquele cantinho aconchegante do Pelourinho onde está instalado o Feijão da Alaíde, se reconfortar em uma mesinha onde Alaíde fica sentada como a esperar para dar consultas com um cuidado e responsabilidade ancestral. Lá diariamente está sentada Alaíde do Feijão, e na sua panela do saber está a receita dos conselhos de mestra, de mãe, de tia de comunidade, de egbomy do Axé.

Alaíde é minha mestra, e este texto pode não garantir um único voto, pode até não ser lido, ou ser tratado de forma descartável. Mas tem um significado muito especial para mim. Significa dizer para o mundo que Alaíde é minha mãe. A Mãe Preta que cuida, que zela, que passa a mão no telefone para saber como eu estou, por que sumi, o que estou fazendo, para me confortar. Para, através destes gestos me mostrar que a vida é dura, mas que ela ainda é capaz, e muitíssimo capaz de amar e me ensinar a amar e manter a chama viva. E que no final de cada batalha posso ir lá e ela estará pronta e a postos para cuidar das minhas feridas e fazer cicatrizar as dores da alma. Não em postura passiva, mas na sabedoria de quem me mandou para a o campo de batalha, e eu sei muito bem quem comanda a frente.

Este texto é tão somente para dizer e declarar ao mundo a minha querência por Alaíde do Feijão, e principalmente agradecer por tudo!

Alaíde, eu voto em ti com toda a certeza para 3 coisas: ser premiada pela Fundação Cultural Palmares, ser Presidente do Brasil e com mais certeza ainda para ocupar a cadeira do Conselho de Segurança da ONU, pois já a vejo lá, sentada naquele cantinho, dando bons conselhos para o mundo se manter em paz, e quando perguntarem a ela como está a sua vida, sei que irá desconversar, como a querer dizer a vida é dura, mas é a que se tem e a que devemos amar e tocar como uma grande orquestra afro. A nos mostrar que a sua passagem por aqui é para se doar, e doar, doar, doar. Ensinando-nos sempre que o amor não tem limites e que apesar de cada não, de cada dor que nos invade somos nós a alegria da cidade.

escrito por Marcos Rezende/Ogã de Ewá do Ilâ Axé Oxumarê
Coordenador Geral do CEN

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